“Pela hora da morte” é a segunda obra de Nathallia Protazio, que também coordenou a edição da primeira edição da revista do Coletivo de Escritores Negros, que reúne 16 autores.
Por Juliana Lisboa, g1 RS
No pior período da pandemia de Covid-19, as farmácias se tornaram um local de encontro daqueles que precisavam sair de casa. “Além das pessoas entrarem numa farmácia em busca de um produto, elas também vão em busca de cuidado“, afirma a escritora e farmacêutica Nathallia Protazio. Ela conta que foi nesse local que as duas atividades se encontraram na vida dela.
“A narrativa entrou na minha vida dentro da farmácia, através do balcão. Então, ter me tornado farmacêutica de drogaria foi a melhor das maneiras de ter me tornado uma pessoa que trabalha com narrativa, porque todas as pessoas que entram na farmácia não estão indo só pra comprar um shampoo, elas estão indo, também para contar a história delas que, às vezes, não têm outro lugar para ir e ser ouvido.”
Entre 2020 e 2021, período em que continuou saindo de casa para trabalhar diariamente, ela escreveu as crônicas do “Pela hora da morte” (2022) que apresenta na 68ª edição Feira do Livro de Porto Alegre, cidade onde a pernambucana mora desde 2019. Este é seu segundo livro.
Nathallia conta que a rotina de escrita começou durante uma oficina de produção literária que foi interrompida devido à pandemia. Com o período de isolamento, passou a fazer boletins para as amigas que estavam em casa com as “coisas estranhas ou bizarras que estavam acontecendo” na rua. Então, veio o convite para escrever para um público maior.
“O que é estar vivo quando temos mais de mil mortos por dia? Só um detalhe. Aquele gesto que você deixou de fazer em direção ao rosto por puro acaso. O destino não está trabalhado durante a pandemia”, afirma a autora na crônica Aniversário.
As crônicas que compõem o livro foram inicialmente escritas para uma revista digital a pedido do professor Luís Augusto Fischer. Os textos refletem e perpassam diferentes temas, desde questões sanitárias e políticas, às de convivência, da falta de convivência, de estar solteira em isolamento, de insegurança e da iminência da morte.
“Pra mim, o que era mais presente, o que me marcou, posso me arriscar a dizer, pra sempre, foi a proximidade com a morte“, afirma. Embora não tenha tido familiares doentes ou mortos no período, ela viu a morte passar a ser parte do seu cotidiano.
“A morte entrou dentro da minha casa através da pandemia e entrou em todos os buracos, porque era uma morte invisível. Então, com toda a certeza, o que mais me marcou foi pensar que eu estou saindo pra trabalhar e não tenho mais como escolher se eu vou morrer de vírus ou vou morrer de fome, porque foi a realidade de milhões de brasileiros, sair com pavor da morte para ir trabalhar para não morrer.”
Neste final de semana, ela vai mediar uma mesa com escritoras mulheres que acontece no sábado (29). “São trabalhos diversos, são autoras que a gente não vê todo dia na mesma mesa e que têm públicos diferente, é uma expectativa de junção.”

Nathallia Protazio faz sessão de autógrafo na Feira do Livro de Porto Alegre — Foto: Arquivo pessoal
Coletivo de Escritores Negros
Nathallia também é autora de um dos textos da primeira revista do Coletivo de Escritores Negros de Porto Alegre, ‘Meu corpo negro’, que será lançada no domingo (30). Ela coordenou a edição que reúne 16 autores negros.
“É uma revista temática, o projeto é de que será uma revista anual. Aqui dentro cada autor colocou um texto em prosa e poesia. A proposta foi falar sobre a tua experiência de corpo negro.”
Ela relata a dificuldade do trabalho, destacando a dimensão, a importância e ao local no qual o grupo de escritores está circunscrito. Nathallia diz que esse ano a edição foi feita por um grupo, mas que, para o ano que vem, a ideia é que a edição seja feita por grupos.
“É muito complexo a gente trabalhar literatura-negro-brasileira sendo produzida em um estado como o Rio Grande do Sul que, só lembrar do último caso do Seu Jorge, é um estado extremamente racista, não é uma dúvida, é um fato, e falar sobre a nossa experiência de corpo negro em estar em um estado racista mexe com bastante coisa, é doloroso, é sensorial, fala de memória, fala de expectativas de futuro. Então, não é um trabalho simples.”
Ela destaca e agradece ao grupo que integra a edição: “São 16 pessoas comprometidas com a literatura e comprometidas com uma literatura que conte uma narrativa fora do que tem muita gente que acha que ler literatura é só ler gente morta e gente branca. Nós estamos vivos e estamos produzindo.”
- Local: Auditório Barbosa Lessa
- Participam as autoras Julia Dantas, Clara Corleone, Letícia Wierzchowski, Taiane Santi Martins, e Nathallia Protazio.
Link da reportagem original, no G1 RS: Escritora apresenta na Feira do Livro reflexões pandêmicas e sobre a experiência de corpo negro no RS | Rio Grande do Sul | G1 (globo.com)